17 março, 2007

O valor da maturidade arquitectónica

Mestre da subtileza e escultor da luz, Álvaro Siza continua a não ser um arquitecto que pretenda espantar as massas com edifícios estonteantes e formas arquitectónicas demasiado complexas. Embora, por vezes de difícil leitura a um olhar desatento, os seus projectos revelam uma maior exploração das possibilidades do léxico arquitectural, especialmente no que toca ao contexto, espaço e acima de tudo luz, do que em relação a outros da sua geração.
A sua atitude ponderada em evitar as luzes do mediatismo, reflecte a sua predilecção por projectos onde o verdadeiro valor acrescentado deve ser a arquitectura e a resolução do problema que o cliente apresenta, evitando os concursos da moda, onde tubarões atraídos pelo bafio dos média e dos milhões desfilam mostrando os seus portefólios carregados de lixo visual. Assim não é de espantar quando tomamos conhecimento da sua mais recente contribuição para a arquitectura da cidade espanhola de Barcelona se localizar longe dos habituais locais turísticos, longe das multidões e do centro citadino. Em Cornellà de Llobregat, uma modesta área residencial na periferia de Barcelona, o testemunho deixado pelo projecto de Álvaro Siza para um complexo desportivo, contagia o local com uma marca de contemporaneidade, enquanto espectantemente o território aguarda que este novo epicentro desportivo da área urbana de Barcelona ganhe forma, enquanto não é concluído o novo estádio do Espanhol Futebol Clube, da autoria do atelier de engenharia holandês Arup.
Visto de longe o projecto de 40000m2 para um centro desportivo com diversas áreas recreativas, orçado em 20 milhões de euros, marca a paisagem pela sua dimensão, mas sem se tornar predominante. A escultórica massa de betão branco abraça uma praça, enfatizando o carácter público do edifício, que se projecta desde a rua até encontrar refúgio no hall de entrada do edifício. Nesta zona, apercebemo-nos logo da marca pessoal do arquitecto. Paredes revestidas a estuque branco, aberturas na cobertura para iluminação zenital e volumes monolíticos que de algum modo parecem desafiar as leis da gravidade, são elementos suficientes para criar uma atmosfera etérica que demonstra como a linguagem arquitectónica utilizada por Siza consegue evocar o intangível através do tangível. Mas a verdadeira experiência do sublime encontra-se ao fundo de um dos longos corredores do complexo, onde uma vasta piscina coberta, inserida dentro de um templo elíptico perfurado por entradas de luz circulares que pautam toda a cobertura reflectem a sua presença na superfície cristalina da água. O efeito conseguido pode-se assemelhar a um imóvel disco que tranquilamente se retém sobre a austeridade de um templo sagrado, um pouco à imagem do Panteão de Roma.
Nas próprias palavras de Siza, este complexo é “uma pequena contribuição para a melhoria da qualidade de vida em Cornellà”.
Não é com espanto que o Prémio Secil referente ao ano transacto tenha sido entregue (pela terceira vez) ao arquitecto Álvaro Siza, precisamente com este projecto. A maturidade com que Siza domina a liberdade do gesto de desenho, a afirmação da linha curva como exclamação no seu discurso arquitectónico, reflecte-se nos seus mais recentes projectos, reforçando a plasticidade formal dos volumes e a forma sedutora com que harmoniosamente criam um todo, cujo resultados podemos comparar aqueles conseguidos pelo mestre Niemeyer. Áqueles que durante anos profetizaram o fim da linguagem depurada, cansada e minimalista de Álvaro Siza, encontram neste projecto mais uma cabal resposta da capacidade que este tem de se reinventar, pautando sempre por respeitar e honrar valores que cada vez mais são substituídos por novas tendências que carecem de conteúdo.
Esta não é, porém, a primeira vez que Siza projectou piscinas para a população real, as gentes de um povo. Um dos seus trabalhos primários e mais aclamados foram as piscinas de Leça da Palmeira, construídas em 1966, onde a comunhão da intervenção com o local evidenciam uns dos temas mais caros ao arquitecto, o território.
Em Cornellà, Siza não só atingiu um dos seus objectivos – projectar para as pessoas – como também exerceu a sua paixão pela escultura através da arquitectura, usando a luz e a água como matéria de manipulação.
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Post baseado no artigo da publicação Frame, nº 52
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Imagem: Ducio Malagamba

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